"Querida, você tem um coração na garganta"
Minha avó

quarta-feira, 14 de maio de 2008

Malabarismos do cotidiano Parte IV

ESQUINAS - Ele ultrapassava a magreza. Na realidade, expunha seus ossos saltados sob uma fina pele. Um quase nada a errar alguma direção na Av. Paulista. Passou por mim, mas não me viu. Enxergava tão e somente o reflexo de seu peso de fome. A miséria é narcisista, acredito, inflinge sua imagem, qual um espelho ao miserável. Sem camisa - também doía um quê de culpa nos outros - ele cantava alto e forte seu canto já cantado. Ressoava a frase já antiga, e, ao mesmo tempo, nova aos meus ouvidos: só /eu/ sei/ as / esquinas por / que pas /sei.

Malabarismos do Cotidiano Parte III

RAYUELA - Dia desses, rodando à noite pelo centro velho da cidade de São Paulo (o que adoro) entrevi, em meio a carros policiais, garotos e garotas de programa, desastres aéreos e urbanos, uma menina solitária jogando Amarelinha na calçada do Pateo do Collegio. Não é Cortazar demais?

Malabarismos do cotidiano Parte II

SEM TROCADO - Hoje, me deparei com um mendigo que abordava as pessoas na rua com um pedido inusitado: "hei, moço, me dá um sorriso?".



[Para dar continuidade à série, retomo alguns posts antigos]

terça-feira, 13 de maio de 2008

Hoje acordei querendo ler Andrea de Barros

Querida, um poema seu para nossos sonhos matinais (como este é um palimpsesto não haveria outro mais apropriado!):


Hilda… so Hilst

Azul
De tua mágoa tinto,
Jaz
um amor roubado.


Em molhados peitos,
Meu coração mofado.

Moscas
De vôos verdes,
Cercam, cerceiam restos.

Mortos
Nas peles cruas,
Nuas
De ti desertas


Andrea de Barros
2004

Malabarismos do cotidiano

Estava eu, ligeira, pela alegria intransitiva, dessas que garantem alguma ilusão, a me largar no caminhar desnorteado de dois pés doídos. Até que, no metrô, percebi quão velozmente se esgarça tal sentimento de meu sorriso besta, ante tantos corpos pendurados e cansados sob o solo.
O sorriso deu lugar a um calor desajeitado, que passou a queimar mais desajeitadamente com a urdidura de palavras furiosas direcionadas ao meu corpo bambo. Tratava-se de um pai sem filho que queria meu pedido de perdão. Sim, perdão, pelo esbarrão em seu braço inviolável.
Pediria perdão. Mas não era o caso. Decidi me calar. Ele me olhou recriminador, em quase desespero por um pedido de desculpa. Seria impossível. Iria descer (ou subir, termo mais dantescamente adequado), naquela estação.
Pretendia ao menos dizer a ele o que sentia. Às vezes, não sobra tempo para dizermos o que sentimos, e terminamos por nos afastar estranhos, a nos incomodar com o suor que cinge a pele e amarela nosso andar.
Recuperei meus pedaços e continuei meu caminhar desnorteado. Ele, este findou seu dia sem sequer um pedido de perdão.

terça-feira, 6 de maio de 2008

Quem conta um conto..

Mais um conto nas Narrativas do Espólio.

Eis um trecho

"Ninguém me ajudou. Não queria ajuda. Apenas um olhar mais compreensível sobre minha necessidade de molhar a garganta com uma dose caprichada de loucura."