Para Anita Deak
A voz tremida da avó. Veludo gasto, arremedo de saudade. Afagava o cabelo curto da menina. Ainda é pequena, a menina. O pigarro cortava a fala. Tem muito o que aprender. A neta se aquecia nos olhos da avó, nos muitos anos umedecidos pelas pálpebras caídas. Olhavam o estrado, costumados de vida excedente. É pequena ainda, a menina. Demora pra crescer, entender da maldade.Os dedos se ajeitavam no cabelo curto da criança. Dedos tortos, formavam nós no cabelo, moldados pelo trabalho da casa.
Cheirava a cera Isa sua fala, de quando levava as crianças para o quarto e rodava com um pano pequeno pela sala. A pequena respirava aquele cheiro forte de cera Isa. Quieta, ouvia o que a avó dizia. A respiração lenta, atenta ao peito subindo e descendo. Uma gota de sangue secava no chão.
A avó ergueu o rosto. Apontou uma linha fina de poeira, aquecida por um pedaço de sol. A criança segurou firme as duas mãos nos pés da cadeira. Essa poeira é a gente, sabia, menina? Quando nossa pele troca, parte dela vira pó. A gente é pó, no final. Tentou piscar. O olho estava menos inchado do que da outra vez. É pequena ainda, a menina. Tossiu e virou o rosto. A neta quis se desfazer dos dedos presos na franja, mas o nó puxava o cabelo para a frente. A porta rangeu. Era a mãe. Brava, as narinas frementes. Do batente, armou sermão. Não era pra ver a vó daquele jeito. Não assim. Conseguiu livrar o nó daqueles dedos tortos. Arrastou a filha para fora do quarto. A vó precisa descansar. Não pode incomodar.
A criança chorou. Não pela bronca, mas por saber que era poeira. Como a avó. Poeira e mancha vermelha sobre a cera Isa.
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