[do gr. palímpsestos, 'raspado novamente', pelo lat. palimpsestu.]. S.m. 1. Antigo material de escrita, principalmente o pergaminho, usado, em razão de sua escassez ou alto preço, duas ou três vezes[duplo palimpsesto], mediante raspagem do texto anterior
"Querida, você tem um coração na garganta"
Minha avó
domingo, 27 de maio de 2007
Essa é de Camus...
Oui, j’ai une patrie, la langue française
Obs: Lú, querida, corrija, por favor, meu pobre francês (tadinho!!!!)
Obs: Lú, querida, corrija, por favor, meu pobre francês (tadinho!!!!)
Minha pátria, minha língua
Gosto de dizer. Direi melhor: gosto de palavrar. As palavras são para mim corpos tocáveis, sereias visíveis, sensualidades incorporadas. Talvez porque a sensualidade real não tem para mim interesse de nenhuma espécie – nem sequer mental ou de sonho –, transmudou-se-me o desejo para aquilo que em mim cria ritmos verbais, ou os escuta de outros. Estremeço se dizem bem. Tal página de Fialho, tal página de Chateaubriand, fazem formigar toda a minha vida em todas as veias, fazem-me raivar tremulamente quieto de um prazer inatingível que estou tendo. Tal página, até, de Vieira, na sua fria perfeição de engenharia sintáctica, me faz tremer como um ramo ao vento, num delírio passivo de coisa movida.Como todos os grandes apaixonados, gosto da delícia da perda de mim, em que o gozo da entrega se sofre inteiramente. E, assim, muitas vezes, escrevo sem querer pensar, num devaneio externo, deixando que as palavras me façam festas, criança menina ao colo delas. São frases sem sentido, decorrendo mórbidas, numa fluidez de água sentida, esquecer-se de ribeiro em que as ondas se misturam e indefinem, tornando-se sempre outras, sucedendo a si mesmas. Assim as ideias, as imagens, trémulas de expressão, passam por mim em cortejos sonoros de sedas esbatidas, onde um luar de ideia bruxuleia, malhado e confuso.
Não choro por nada que a vida traga ou leve. Há porém páginas de prosa que me têm feito chorar. Lembro-me, como do que estou vendo, da noite em que, ainda criança, li pela primeira vez numa selecta o passo célebre de Vieira sobre o rei Salomão. "Fabricou Salomão um palácio..." E fui lendo, até ao fim, trémulo, confuso: depois rompi em lágrimas, felizes, como nenhuma felicidade real me fará chorar, como nenhuma tristeza da vida me fará imitar. Aquele movimento hierático da nossa clara língua majestosa, aquele exprimir das ideias nas palavras inevitáveis, correr de água porque há declive, aquele assombro vocálico em que os sons são cores ideais – tudo isso me toldou de instinto como uma grande emoção política. E, disse, chorei: hoje, relembrando, ainda choro. Não é – não – a saudade da infância de que não tenho saudades: é a saudade da emoção daquele momento, a mágoa de não poder já ler pela primeira vez aquela grande certeza sinfónica.Não tenho sentimento nenhum político ou social. Tenho, porém, num sentido, um alto sentimento patriótico. Minha pátria é a língua portuguesa. Nada me pesaria que invadissem ou tomassem Portugal, desde que não me incomodassem pessoalmente. Mas odeio, com ódio verdadeiro, com o único ódio que sinto, não quem escreve mal português, não quem não sabe sintaxe, não quem escreve em ortografia simplificada, mas a página mal escrita, como pessoa própria, a sintaxe errada, como gente em que se bata, a ortografia sem ípsilon, como o escarro directo que me enoja independentemente de quem o cuspisse.Sim, porque a ortografia também é gente. A palavra é completa vista e ouvida. E a gala da transliteração greco-romana veste-ma do seu vero manto régio, pelo qual é senhora e rainha.
Livro do Desassossego, por Bernardo Soares. Vol. I, Fernando Pessoa.
Não choro por nada que a vida traga ou leve. Há porém páginas de prosa que me têm feito chorar. Lembro-me, como do que estou vendo, da noite em que, ainda criança, li pela primeira vez numa selecta o passo célebre de Vieira sobre o rei Salomão. "Fabricou Salomão um palácio..." E fui lendo, até ao fim, trémulo, confuso: depois rompi em lágrimas, felizes, como nenhuma felicidade real me fará chorar, como nenhuma tristeza da vida me fará imitar. Aquele movimento hierático da nossa clara língua majestosa, aquele exprimir das ideias nas palavras inevitáveis, correr de água porque há declive, aquele assombro vocálico em que os sons são cores ideais – tudo isso me toldou de instinto como uma grande emoção política. E, disse, chorei: hoje, relembrando, ainda choro. Não é – não – a saudade da infância de que não tenho saudades: é a saudade da emoção daquele momento, a mágoa de não poder já ler pela primeira vez aquela grande certeza sinfónica.Não tenho sentimento nenhum político ou social. Tenho, porém, num sentido, um alto sentimento patriótico. Minha pátria é a língua portuguesa. Nada me pesaria que invadissem ou tomassem Portugal, desde que não me incomodassem pessoalmente. Mas odeio, com ódio verdadeiro, com o único ódio que sinto, não quem escreve mal português, não quem não sabe sintaxe, não quem escreve em ortografia simplificada, mas a página mal escrita, como pessoa própria, a sintaxe errada, como gente em que se bata, a ortografia sem ípsilon, como o escarro directo que me enoja independentemente de quem o cuspisse.Sim, porque a ortografia também é gente. A palavra é completa vista e ouvida. E a gala da transliteração greco-romana veste-ma do seu vero manto régio, pelo qual é senhora e rainha.
Livro do Desassossego, por Bernardo Soares. Vol. I, Fernando Pessoa.
segunda-feira, 14 de maio de 2007
CURUPIRA
sexta-feira, 4 de maio de 2007
SEM TROCADO
É verídico! Hoje, deparei com um mendigo que abordava as pessoas na rua com um pedido inusitado: "hei, moço, me dá um sorriso?". E eu pergunto: a culpa é de quem?
NARCISO
Apenas eu. Ninguém mais a contar o que vê à minha frente, ao espelho. Um rosto mudo, a imitar meus lábios entreabertos, as falhas exatas de minhas sobrancelhas, os fios brancos desregulares aqui e ali. Tento sorrir. Ela também sorri, seu sorriso líquido, um pouco riscado. Quando pisco não a vejo. Apenas uma lágrima na maçã do rosto. Mancho-me de pasta de dente, quando postada à sua frente. E ela me interpela com seus olhos ocos. Sou de vidro. Sem que notem, derreto com os anos. E ela...É igual hoje, mas amanhã, não. Eu, ela. Esta, que, apática, me denuncia com sua imagem. Eu a amo, sim, eu a amo, mas nunca saberei quem ela é.
quarta-feira, 2 de maio de 2007
UM POUCO DE POESIA SINFÔNICA
"Freude, Schöner Götterfunken,Tochter aus Elysium, Wir betreten feuer-trunken,Himmlische, dein Heiligtum!Deine Zauber binden wieder,Was die Mode streng geteilt;Alle Menschen werden Brüder,Wo dein sanfter Flügel weilt [...]"
ENTRE OS DEDOS
Triste e trêmula, tentou encarar o bicho, uma ratazana comprida e, inevitavelmente, má. Suspendeu o nojo pelo nariz, àquela altura sem ar. O bicho parecia odiá-la pela cauda fina. Seus olhos grunhiam, um grunhido de noite alta. Tudo dela era asco, mas, não importava, precisava, a menina, vencer o medo do asco. Rato, é um rato, tentou se convencer. O arrepio das costas tomou conta de todo o corpo, como que a transportá-la ao dele, mundo roído...
Não sentia mais suas pernas, caiu sobre elas, aproximando-se ainda mais do bicho, a essa altura, quase morto. Algo nele remeteu-a a seu próprio ser. Precisava senti-la. Quase inconsciente encostou suas mãos na ratazana, que gritava e se debatia de medo.
Sentiu o calor de seu corpo áspero, até que pousou a mão direita no peito do bicho, sentiu seu coraçãozinho se debatendo.
Pegou com cuidado o animal nos braços e com um carinhoso zelo levou-o a um lugar quente.
Enquanto cavava um buraco grande no quintal da casa, viu o rato morrer. Enterrou o pobre animal e seu medo por entre lágrimas e alívio.
Não sentia mais suas pernas, caiu sobre elas, aproximando-se ainda mais do bicho, a essa altura, quase morto. Algo nele remeteu-a a seu próprio ser. Precisava senti-la. Quase inconsciente encostou suas mãos na ratazana, que gritava e se debatia de medo.
Sentiu o calor de seu corpo áspero, até que pousou a mão direita no peito do bicho, sentiu seu coraçãozinho se debatendo.
Pegou com cuidado o animal nos braços e com um carinhoso zelo levou-o a um lugar quente.
Enquanto cavava um buraco grande no quintal da casa, viu o rato morrer. Enterrou o pobre animal e seu medo por entre lágrimas e alívio.
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