Nossas mãos exibiam a mesma forma, dedos pequenos e tortos a diminuir o tamanho do que agarrássemos. Aproximamos as duas da primeira vez que nos conhecemos. "Muito iguais", ele disse, ao que eu já retornava ao bolso o que me constrangia. Ele continuou com a sua suspensa, como que pendurada pelo braço comprido, e me censurou: "pra que esconder sua mão na calça? é igual a minha." Sim éramos iguais, custávamos a alcançar o que quer que se insinuasse às nossas vistas. Jamais largaríamos alguma força em um tapa. Nosso tapa seria sempre mal dado. Feríamos mais a nós mesmos do que a quem queríamos ferir. Éramos dois gigantes presos às nossas minúsculas garras, que eu insistia em esconder nos bolsos da calça. Continuamos a nos encontrar, mais por reconhecer no outro a própria impotência do que por alguma atração física que dali nascesse. Não nego que nos dávamos bem na cama, um sabia do que do outro se desejasse. Tínhamos desejos parecidos, na medida das nossas mãos em concha.
Escolhemos como ponto de encontro um parque abandonado perto de casa. Transávamos próximo à roda-gigante desativada, e de lá íamos para minha casa, onde eu esticava meu lençol em frente à televisão. Ele gostava de assistir a alguma porcaria na TV depois do "último ato", como ele chamava nossa trepada. Ria tanto quando ele dizia "o último ato", parecíamos dois atores tristes a se despedir da plateia mas nunca prontos a largar o palco. Nós mesmos nos aplaudíamos com os dedos tortos desencontrados e uma repetição de palmas desajeitadas.
"Seu destino é uma linha reta", ele me disse uma vez, após o "último ato", enquanto mudava de canal pela terceira vez. Linha reta? Olhei para ele sem entender. "Linha reta, aqui ó.", apontou para a palma da minha mão. Realmente, uma das linhas da minha mão era reta, perfeitamente traçada. Nunca havia reparado naquilo, um traço perfeito e reto prolongado nos dedos defeituosos. "É a linha da vida", anunciou. "Sua linha da vida é um traço reto." Fechei minha mão esquerda; bem verdade, fechei-me naquela mão esquerda. Não queria uma vida sem sinuosidades. Já me acostumara com a desarmonia dos meus dedos, minhas garras apararam o que me tornara: rascunho de mim mesma, e, agora, aquela linha reta no meio da minha mão, a me jogar a algum traço que não seja rasura. "Veja um ponto aqui em cima da linha reta.", arrisquei. "Isso é sujeira.", ele retrucou. Tive que me conformar, minha linha da vida era um traço reto. Ele escondeu as mãos sob o lençol, já não éramos iguais.
Dali para frente nossos encontros tornaram-se menos frequentes até que deixamos de nos ver. Tentei reatar o que não tínhamos explicitamente terminado, mas percebi a distância entre nós. Não me lembro do seu nome, apenas de suas mãos e da vida que ambos recusamos, mas que corta minha mão esquerda.