"Querida, você tem um coração na garganta"
Minha avó

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

"Eu tenho horror ao real" *

*Rubens Francisco Lucchetti em entrevista à encantadora Jerusa Pires Ferreira (Rubens Francisco Lucchetti - o homem de 1000 livros. São Paulo: COM-ARTE, 2008)

Ocorre que escolhi esta frase para iniciar um breve ensaio sobre o encontro entre Jorge Melícias, Ana Paula Maia e Fernando Segolin no Seminário Literatura e Violência. No discurso de Melícias sobre o grotesco e posteriormente na fala de Ana Paula Maia, um aspecto curioso me chamou a atenção: a evocação do tema O Estranho do Freud. Prefiro a palavra no sentido original: unheimlich, pois amplia as possibilidades de análise. A princípio se falou do grotesco, entretanto, chegar ao conceito do horror foi inevitável.
Freud já analisou o tema do estranho, unheimlich, inquestionavelmente associado ao que é assustador, que provoca medo e horror, no texto Das Unheimliche (O Estranho). Neste, em um primeiro momento, é realizado um estudo etimológico da palavra alemã, porquanto a complexidade de sua estrutura, uma vez que abriga o vocábulo “casa” (Heim) em sua raiz. Por intermédio de vários e diferentes significados, o autor nos mostra que em algum momento a palavra unheimlich, estranho, tem o mesmo sentido que seu contrário, ou seja, heimlich, familiar. Por conseguinte, conclui, à luz da sentença de Schelling, “unheimlich é o nome de tudo que deveria ter permanecido ... secreto e oculto mas veio à luz”, que unheimlich (o estranho) é de um modo ou de outro uma subespécie de heimlich (familiar).
Oscar Cesarotto explora o estranho (unheimlich) como aquilo que, familiar e íntimo, estava apagado e é reativado por um fato extrínseco, para ser projetado como alheio. Segundo ele, o efeito concomitante é “a sensação sinistra que se produz ao se esfacelar a realidade, porque nessa hora, qualquer resguardo revela-se insuficiente.”
Ao que me remeto ao interessante comentário tecido por Stephen Dedalus, o artista jovem de James Joyce, sobre o terror, um dos sentimentos catárticos da Arte Poética de Aristóteles: “o terror é o sentimento que detém o espírito na presença de seja lá o que for que seja grave e constante no sofrimento humano e o liga à sua causa secreta.” Daí concluo que o horror ao real de Lucchetti é também uma catarse.
Posto isto, retomo uma das questões levantadas pela platéia sobre a diferença entre a violência dita "banalizada" e a violência discutida e presente nos textos dos dois escritores. Conheço o trabalho de Ana Paula Maia, do qual gosto muito, e posso afirmar seguramente que diferentemente da violência (não diria "banalizada") artificial, estereotipada, a violência presente nos textos da escritora suscita o terror catártico descrito por Dedalus, e me liga a minha causa secreta, ao que me é tão estranho e ao mesmo tempo tão familiar.


PS: 1) Pra variar, fiquei vermelho-escuro quando Ana Paula Maia falou do meu e-mail, mas não deixei de sorrir, e me acusei: fui eu a danada!

2) creio que unheimlich é um adjetivo, por isso mantive em letra minúscula, se estiver errada sintam-se à vontade em me corrigir

2 comentários:

Andrea disse...

Oi, Vé, querida! Você participou do seminário "literatura e violência"? Meu orientador, Francisco Foot Hardman, e meu professor, Marcio Seligman, fazem parte de um grupo de pesquisa chamado "Escritas da Violência", e me parece que estariam presentes nesse encontro, não tenho certeza. Eu queria ter ido, mas esse final de semestre tem sido cruel...
Beijos, Vé!

Vera Helena disse...

Andrea, querida! Vacilo meu, também, não tê-la avisado do evento. Desculpe-me por não chamá-la, mas é que, pra variar, ando com a cabeça na LUA (de Clarice, claro!). Final de ano é terrível mesmo, cruel. Tenho que terminar o primeiro capítulo da minha tese até dezembro, ai,ai. Mas nossa cerveja ainda está de pé, não? (inda mais agora, com o dinheiro da bolsa!)

Beijos e saudades