SE TODOS FOSSEM IGUAIS A VOCÊ
Podem me chamar de masoquista, mas gosto de filas de banco. É quando observo as pessoas mais de perto, em seu momento mais peculiar e vulnerável, na iminência de um ato. Divirto-me com aquelas que procuram pelo meu olhar, em busca de conforto nas palavras "maisquediabo que essa fila não anda", "ai que demora" ou um simples "uff" desabafado quase sem voz e imponente, a ponto de me fazer baixar a cabeça. É nessas horas que me compreendo um pouco mais, um pouco do substrato humano, um pouco de nossa matéria-prima.
E justamente hoje estava eu na fila de um banco, atenta aos outros. Foi quando reparei em um canto um senhor idoso curvado em seu lugar de último da fila. Não resisti e o apontei ao meu marido que também o notara e de imediato ofereceu seu lugar. O senhor o olhou carregado de bondade e disse: "não precisa não, meu jovem.", em um suspiro cansado, concluiu: "não tenho pressa." Insistimos, com certo tom de impaciência, até que o bom idoso compreendeu que pertencia ao primeiro lugar, inerente a alguém que muito já viu e muito já viveu. Feliz pela pequena justiça cometida naquela fila daquele banco, mal percebi que atrás de nós uma moça nos dirigia seu discurso. Voltei-me a ela, que observou: "se todos fossem..", não a esperei completar a frase, já preparei o meu obrigada vaidoso e um tanto ridículo, quando a moça continuou: "se todos fossem iguais a esse idoso!" disfarcei minha decepção. Ao mesmo tempo não ocultei minha dose diária de indignação e de mau humor: "como é que é!?" a moça insistiu no erro "se todos fossem iguais a esse idoso. É. Porque tem cada um por aí". Não agüentei, explodi: "é direito deles, e se todos o respeitassem, eles não precisariam ser um pouco mais rudes. E atrapalharem sua vidinha confortável." Quase disse, "idoso não é bichim de estimação não, procê querer que ele se sente sob o comando 'senta' e então você diga 'muito bem'" mas virei o rosto ranzinza, e meu marido, mais calmo e bem mais eloqüente do que eu, argüiu a ignorância alheia. Saímos do banco com uma certeza: o mundo, feito de cremes anti-envelhecimento, não será um bom lugar para morarmos daqui a uns tantos anos.
[do gr. palímpsestos, 'raspado novamente', pelo lat. palimpsestu.]. S.m. 1. Antigo material de escrita, principalmente o pergaminho, usado, em razão de sua escassez ou alto preço, duas ou três vezes[duplo palimpsesto], mediante raspagem do texto anterior
"Querida, você tem um coração na garganta"
Minha avó
quarta-feira, 29 de dezembro de 2010
quarta-feira, 15 de dezembro de 2010
domingo, 12 de dezembro de 2010
Eu e você qualquer dia
A Cristiane Lisbôa e Caio Fernando Abreu
Um dia você me disse que todos temos data de validade. Eu e você, um dia expiraremos, a soltarmos um ar cansado que nos esgota, acuados pelo fim que se exibe vermelho em algum canto de seus olhos. Enquanto eu de mãos fechadas me disfarço com algo de invisível que foge entre os dedos. Sejamos menos realistas, meu amor. Dói menos. Já bastam minhas olheiras, um bônus pelo excesso de realidade refletido no vidro da janela. Se soubesse que ainda você que me salva desta rotina enjoativa despertada com o relógio do criado-mudo. Se soubesse que ainda você que me desperta alguma esperança de que algo melhor está por vir. De que um dia seremos mais felizes. E quando chegar nosso fim, até lá, descobriremos outras formas de vivermos o nosso tempo juntos. Ainda que por apenas um dia. Seremos um tanto melhores, meu amor.
Um dia você me disse que todos temos data de validade. Eu e você, um dia expiraremos, a soltarmos um ar cansado que nos esgota, acuados pelo fim que se exibe vermelho em algum canto de seus olhos. Enquanto eu de mãos fechadas me disfarço com algo de invisível que foge entre os dedos. Sejamos menos realistas, meu amor. Dói menos. Já bastam minhas olheiras, um bônus pelo excesso de realidade refletido no vidro da janela. Se soubesse que ainda você que me salva desta rotina enjoativa despertada com o relógio do criado-mudo. Se soubesse que ainda você que me desperta alguma esperança de que algo melhor está por vir. De que um dia seremos mais felizes. E quando chegar nosso fim, até lá, descobriremos outras formas de vivermos o nosso tempo juntos. Ainda que por apenas um dia. Seremos um tanto melhores, meu amor.
sábado, 11 de dezembro de 2010
São tudo histórias
"São tudo histórias, menino. A história que está sendo contada, cada um a transforma em outra, na história que quiser. Escolha, entre todas elas, aquela que seu coração mais gostar, e persiga-a até o fim do mundo." Dulce Veiga
segunda-feira, 6 de dezembro de 2010
Narcisista
Para evitar equívocos, e suscitar outros, Narciso não se apaixonou por si MESMO, mas pelo seu reflexo na água que ele acreditava tratar-se de um OUTRO ser. [um espírito das águas]
Pedro Amorós e Walter Benjamin
Outra raspadinha - É difícil ler Bajo el arco en ruina de Pedro Amorós sem se lembrar de Walter Benjamin e de sua concepção de obra de arte enquanto ruína:
"[...] Pronto mis huesos entrarán en contato con la húmeda tierra. Las carnes desaparecerán. Sólo un hálito de vida envolviendo mis huesos. [...]"
Pedro Amorós In Bajo el arco en ruina
"[...]as alegorias são no reino dos pensamentos o que são as ruínas no reino das coisas[...] 'A fachada partida, as colunas despedaçadas, têm a função de proclamar o milagre de que o edifício em si tenha sobrevivido às forças elementares da destruição [...]' "
Walter Benjamin In Origem do Drama Barroco Alemão
"[...] Pronto mis huesos entrarán en contato con la húmeda tierra. Las carnes desaparecerán. Sólo un hálito de vida envolviendo mis huesos. [...]"
Pedro Amorós In Bajo el arco en ruina
"[...]as alegorias são no reino dos pensamentos o que são as ruínas no reino das coisas[...] 'A fachada partida, as colunas despedaçadas, têm a função de proclamar o milagre de que o edifício em si tenha sobrevivido às forças elementares da destruição [...]' "
Walter Benjamin In Origem do Drama Barroco Alemão
sexta-feira, 3 de dezembro de 2010
Ponto de libra
Abro os olhos, já não sou o mesmo. Um dia e uma noite neste quarto escuro e já não sou a mesma. Engraçado como as coisas acontecem em um emaranhado de espera e de solidão. Queria ou melhor deveria sentir alguma coisa, mas não sinto nada. Triste, feliz, doente. Nada.
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