"Querida, você tem um coração na garganta"
Minha avó

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

IDOSO RESERVADO AO ASSENTO CINZA

SE TODOS FOSSEM IGUAIS A VOCÊ

Podem me chamar de masoquista, mas gosto de filas de banco. É quando observo as pessoas mais de perto, em seu momento mais peculiar e vulnerável, na iminência de um ato. Divirto-me com aquelas que procuram pelo meu olhar, em busca de conforto nas palavras "maisquediabo que essa fila não anda", "ai que demora" ou um simples "uff" desabafado quase sem voz e imponente, a ponto de me fazer baixar a cabeça. É nessas horas que me compreendo um pouco mais, um pouco do substrato humano, um pouco de nossa matéria-prima.
E justamente hoje estava eu na fila de um banco, atenta aos outros. Foi quando reparei em um canto um senhor idoso curvado em seu lugar de último da fila. Não resisti e o apontei ao meu marido que também o notara e de imediato ofereceu seu lugar. O senhor o olhou carregado de bondade e disse: "não precisa não, meu jovem.", em um suspiro cansado, concluiu: "não tenho pressa." Insistimos, com certo tom de impaciência, até que o bom idoso compreendeu que pertencia ao primeiro lugar, inerente a alguém que muito já viu e muito já viveu. Feliz pela pequena justiça cometida naquela fila daquele banco, mal percebi que atrás de nós uma moça nos dirigia seu discurso. Voltei-me a ela, que observou: "se todos fossem..", não a esperei completar a frase, já preparei o meu obrigada vaidoso e um tanto ridículo, quando a moça continuou: "se todos fossem iguais a esse idoso!" disfarcei minha decepção. Ao mesmo tempo não ocultei minha dose diária de indignação e de mau humor: "como é que é!?" a moça insistiu no erro "se todos fossem iguais a esse idoso. É. Porque tem cada um por aí". Não agüentei, explodi: "é direito deles, e se todos o respeitassem, eles não precisariam ser um pouco mais rudes. E atrapalharem sua vidinha confortável." Quase disse, "idoso não é bichim de estimação não, procê querer que ele se sente sob o comando 'senta' e então você diga 'muito bem'" mas virei o rosto ranzinza, e meu marido, mais calmo e bem mais eloqüente do que eu, argüiu a ignorância alheia. Saímos do banco com uma certeza: o mundo, feito de cremes anti-envelhecimento, não será um bom lugar para morarmos daqui a uns tantos anos.

6 comentários:

Anônimo disse...

Adorei! Além do mais , é um prazer ler seus textos repletos de criatividade que mais parecem mini-contos muito bem escritos e esclarecedores! Torci para a moça em questão não completar a frase , mas se não fosse isso não teria a satisfação de ler por inteiro seu texto! Como idoso que sou , agradelo!

Vera Helena disse...

Poxa, anônimo, muito obrigada!!! Agora, idoso!? Por favor, né! rarara

Beijo enorme e um incrível 2011 pra você!


Vera

Marcelo Vinicius disse...

Oi! Gostei do seu blog! Estou seguindo! Bjs

Vera Helena disse...

Olá, Marcelo

Seja muito bem-vindo!

Abraços,

Vera

Douglas Vian disse...

Vera,
Gostei muito de seu post, ou seria mais uma crônica, conforme disse nosso anônimo acima. Como crônica do cotidiano lembra muito as do Ignácio de Loyola, ou até mesmo o Dalton Trevisan descontando um cheque em um banco de Curitiba observando o fato. A propósito, que idade aparentava ter esse idoso?

Um grande abraço de seu amigo Douglas Vian.

Vera Helena disse...

Douglas, que delícia seus comentários (seus e do anônimo, saudade dos dois)
Poxa, quem me dera. Dois ídolos meus, Loyola e Trevisan! Você é muito generoso.
Ah, o idoso aparentava uns 94 anos.

Beijo enorme,

Vera