Aos meus cinco leitores: os convido para o lançamento do meu romance Telefone Sem Fio, pela Editora Patuá. Será no significativo dia 23 de abril , no Hussardos Clube Literário, a partir das 19h30.
Capa: Leonardo Mathias.
Um trecho:
Uma pausa, silencioso leitor. Pois que eis um pouco de mim aqui neste
posto de gasolina. Desses onde nunca nos é suficiente seu combustível, a viagem
sempre é maior. O banheiro, meu refúgio
de Carlos. Contraio as pernas, minto que
estou apertada e pra lá me direciono. Não consigo erguer meus olhos, como se o
piso molhado deste posto fosse a única saída. O cheiro forte de gasolina quase
me derruba, somos auto-inflamáveis. Acho que estou desaprendendo a andar. Um pé
depois do outro, não é assim que nos ensinam, percorrer o solo pé ante pé?
Vamos lá, Alma, você consegue. A placa caída com um W apagado indica a porta do
meu esconderijo. Entro de cabeça baixa. Respiro o lugar imundo de vestígios dos
outros. Não há papel higiênico, apenas, no chão, seus pedaços. Também não há
espelho, posso imaginar meu reflexo na água suja sob meus pés. Quantas pessoas
já passaram por aqui, quantos reflexos guardam a água suja? Puxo a cordinha da
descarga sem qualquer necessidade, com o único intuito de fingir um alívio que
não sinto. Abandono meu pequeno jazigo, enquanto piso em uma sombra alongada. A
voz transborda o corpo. Dissimulo um olhar distante, afasto meus olhos do espaço
que ocupa. Em vão, a dona da sombra alongada se aproxima. “A chave do
banheiro”, ordena. Faço-me surda. “Colega”, quase cospe, “a chave”, balança o
corpo e a sombra, “preciso da chave”, grasna. “Não tem chave”, finalizo. “Você?
Tá bem?”, ela insiste em
mim. Apenas movimento a cabeça em um nãosimnãosimsim. “A
mulher tá chorando!”, “a mulher” sou eu, difícil e impaciente. Não quero me
lembrar de hoje, pode ser? Carlos percebe e nos socorre. “Alma?”, se esconde em
mim. “Tudo bem?”. Chão, Alma, olhe pro chão, ela pode virar pedra. “Sua mulher
tá chorando”, conclusão brilhante. “Sim”, ele enxuga a testa e continua
“estamos passando por um momento difícil. Seu irmão.” Carlos tem uma incrível
facilidade em desperdiçar seus momentos mais doídos com estranhos, na beira de
estradas. Aponta pra alguma direção que não se vê e apenas diz “Enterro”. Por fim, envolve-me sobre seu corpo, e nada
mais a ser dito. Vamos os dois pro carro, indevidamente abastecidos. A sombra se
alonga ainda mais pelo sol baixo e tragédia nossa. Encolho-me sobre o meu caderninho.
2 comentários:
Muito bom seus textos; é a primeira vez que visito seu blog.
Queira uma dica: A cor preta de fundo atrapalha tanto minha leitura!
Abraços
Anônimo, bem-vindo, agradeço a visita e o comentário. Sabe que já estava pensando em mudar o layout do blog há algum tempo? Eu mantenho o mesmo desde 2007
Volte mais vezes, e me diga se a leitura está melhor.
Beijo grande,
Vera Helelna
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