[do gr. palímpsestos, 'raspado novamente', pelo lat. palimpsestu.]. S.m. 1. Antigo material de escrita, principalmente o pergaminho, usado, em razão de sua escassez ou alto preço, duas ou três vezes[duplo palimpsesto], mediante raspagem do texto anterior
"Querida, você tem um coração na garganta"
Minha avó
domingo, 3 de agosto de 2014
Arte do erro
Do latim errare, errar também significa perambular, vaguear e até mesmo espalhar-se. Gosto muito do erro, de onde, inclusive, nasce a arte. Erro, na minha modesta opinião, é a transgressão inconsciente da norma. Com corretores automáticos, vídeos do youtube dispostos a expor os erros dos outros como forma de nos esquecermos dos nossos, postagens no facebook sempre prontas a apontar e quase a criminalizar todo e qualquer erro, passamos a viver em um mundo praticamente estéril (ou seria histérico?), é a "geração jontex", alguém já o disse ou escreveu. Eu sou a rainha dos erros. Telefone sem fio é um belo exemplo. Não seria publicado por outra editora exceto pela Patuá. Imagino algum revisor querendo modificar todas as preposições "pra" para "para" e arranco meus cabelos. "Pra" resume Alma Pontes, inscrita em uma caligrafia compulsiva e descuidada. Em dado momento do livro o leitor se depara com um "podólotra", ops!, diriam alguns, ai, doeu!, diriam outros. Não, não se trata de erro ortográfico, tampouco de digitação. É um erro, sim, mas um erro proposital cometido por Alma, que, ao inscrever o substantivo entre aspas o associa a um locutor, ou melhor, locutores, no plural, os mesmos que qualificam o podólatra de "tarado". Há também uma fala da mãe de Alma marcada por vírgulas, todas suas frases começam e terminam por vírgulas, a guardá-la em uma infinitude incompatível com a gramática normativa. Poderia dar outros e outros exemplos, mas acabarei aqui com o prazer de quem quer encontrá-los. Vale lembrar que: 1) Alma escreve descuidada e compulsivamente dentro de um carro, erros são bem-vindos. 2) Ela não escreve como fala, tampouco como pensa, mas, como sente: novamente, erros são bem-vindos.
Telefone Sem Fio por Reynaldo Damazio
No dia 26 de julho foi publicada no Guia de Livros da Folha de São Paulo uma resenha muito interessante escrita por Reynaldo Damazio:
"TELEFONE SEM FIO
A brincadeira a que faz alusão o título do romance de Vera Helena Rosssi indica o texto especular, cuja trama se desdobra de modo imprevisível, como as versões que se multiplicam e diversificam ao passar de um ouvinte (ou leitor) a outro.
Grosso modo, o livro fala dos caminhos tortuosos, mas vividos com intensidade, de Alma Pontes, da juventude à dita maturidade - seja lá o que for isso -, numa espécie de formação às avessas, uma vez que a experiência (profissional, afetiva, familiar) se esboroa e não culmina com o aprendizado, mas simplesmente com a consciência de que "nunca temos um plano B".
O fim da tinta de uma de suas inúmeras canetas Bic pode ser dramático e ameaçar a ligação de Alma com o registro frenético e delicado do cotidiano, no limite entre as vozes da escritora e da jornalista."
página: NF8
"TELEFONE SEM FIO
A brincadeira a que faz alusão o título do romance de Vera Helena Rosssi indica o texto especular, cuja trama se desdobra de modo imprevisível, como as versões que se multiplicam e diversificam ao passar de um ouvinte (ou leitor) a outro.
Grosso modo, o livro fala dos caminhos tortuosos, mas vividos com intensidade, de Alma Pontes, da juventude à dita maturidade - seja lá o que for isso -, numa espécie de formação às avessas, uma vez que a experiência (profissional, afetiva, familiar) se esboroa e não culmina com o aprendizado, mas simplesmente com a consciência de que "nunca temos um plano B".
O fim da tinta de uma de suas inúmeras canetas Bic pode ser dramático e ameaçar a ligação de Alma com o registro frenético e delicado do cotidiano, no limite entre as vozes da escritora e da jornalista."
Fonte:
http://acervo.folha.com.br/fsp/2014/07/26/567/página: NF8
quarta-feira, 14 de maio de 2014
Telefone Sem Fio em outras mãos
Este trecho foi extraído por uma leitora/escritora/poeta que admiro muito: Andrea de Barros, por isso me é muito especial. Senhoras e senhores, Telefone Sem Fio sob outros olhos:
quarta-feira, 23 de abril de 2014
Entrevista para a Confraria do Vento
Saiu uma entrevista muito bacana comigo para o blog da Confraria do Vento, pela Ana Rüsche.
Leia aqui a entrevista.
Hoje é o dia do lançamento. Espero todos os cinco!
Leia aqui a entrevista.
Hoje é o dia do lançamento. Espero todos os cinco!
sábado, 22 de março de 2014
Convite Lançamento Telefone Sem Fio
Convido meus cinco leitores ao lançamento do livro Telefone Sem Fio. O convite, bonito e forte, abaixo
domingo, 16 de março de 2014
Nombre Doble
Meu conto Nome Duplo agora em espanhol:
https://sites.google.com/site/cuentosbrasil/brazilian-stories/nombre-doble
https://sites.google.com/site/cuentosbrasil/brazilian-stories/nombre-doble
Prefácio do Telefone Sem Fio
Ler Ana Rüsche é matar a saudade do trema, de um tempo que não vivi, da taturana, da infância guardada em um canto distante mas que ainda dói que nem dedo mindinho, da poesia que escondemos no botão do paletó. Suas palavras, senhoras e senhores, sobre Telefone Sem Fio
Enfim, o que nos resta, diante de Telefone sem Fio, é somente uma única prerrogativa: o direito da dúvida. Aproveita.
Que sussurre a primeira palavra
quem nunca mentiu ao brincar de telefone sem fio
quem nunca mentiu ao brincar de telefone sem fio
por Ana Rüsche
Você já soube a tua própria verdade na língua? Até que a saiba tanto e a transforme em mentira? Até que se transmude em sonho, se consuma no cigarro durante o papo com um amor daquela noite, se retorça em uma anotação à toa na folha enquanto participa de uma reunião no trabalho, até que cintile num cisco, num incômodo? Você já soube a tua verdade até não a reconhecer como própria? Quando se apresenta como uma estranha e se senta no sofá da sala com uma familiaridade espantosa?
Telefone sem fio não ajuda a responder nenhuma dessas perguntas. Bem mais atiça quem lê para que outras sejam feitas. Síndrome de sobrevivência para que se lide com aquela porção horrorizada e desconfortável de nós mesmos. Que, ao escutar a canção querida de Joni Mitchell, já não reconhece mais um beijo roubado adolescente e apenas enxerga a dúvida, numa porção inacabada do próprio rosto refletido no retrovisor do carro que não dirige. No quê nos transformamos todos os dias?
É a história de Alma. Alma Pontes. Da tenra infância à idade adulta. Do telefone cinza ao aparelho celular. Inicia-se com a pequena menina estrábica, que aprende a mentir na brincadeira de telefone sem fio e que revida da vida ao cuspir nos sapatos engraxados de um homem estranho que se intitula 'pai'. Desenrola-se com a garota que possui relacionamentos com uma semelhança suspeita, sempre em paralelo, aos relacionamentos de seu irmão Mauro. Até chegarmos à narradora do início com o rosto refletido em um retrovisor, buscando sentidos no oráculo pagão que é a internet.
Uma tentativa de explicação ao que é tão difícil de explicar, tendo como pano de fundo os principais acontecimentos brasileiros dos anos 90 a 2000. Que passa pelo plebiscito sobre a monarquia; pela moda de dançar lambada, enquanto muitos tinham as economias ceifadas pelo Plano Collor; pela morte de PC Farias; pelo pedido de impeachment de Celso Pitta; pelo racionamento de energia durante o governo de FHC; pela eleição do Lula; pelo advento da internet. A narrativa traz muito sobre o modo de viver da classe média na cidade de São Paulo: a formação escolar, os apartamentos, as festinhas, as aulas de inglês, a faculdade, os empregos de vendedora no shopping, de jornalista, de professora de história, os freelas, as incertezas do quê pensar, com quem dormir, onde morar.
Em uma prosa ligeira e deliciosa de ler, cheia de sutilezas e graças, Vera Saad Rossi coloca-nos no beco em que sempre estamos: como narrar nossas próprias verdades? As mais difíceis de serem assumidas? Em meio a dificuldades familiares, dissabores amorosos, perrengues financeiros diários?
quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014
Mais Telefone Sem Fio
No apartamento, avistou a sombra larga da mãe sobre os papéis jogados a
sua frente, na mesa improvisada do centro da sala. Esqueceu-se por um momento
do aniversário.
— Eu sou desse tamanho aqui — apontava pro boneco de porcelana.
— Vai brincar, meu bem, a mamãe tá trabalhando. — Sim, trabalhava naquele
domingo sua mãe, envolta por papéis e letras miúdas.
Restava o irmão Mauro, o olhar
adulto e a voz destoante. Alma preparou qualquer brincadeira pré-requentada.
Mas o irmão já se disfarçava na espera da adolescência.
— Alma, não! Que droga.
— Então vai se foder — desafiou.
Queria ser adulto, né. Que seja. Correu pra janela e começou a cuspir.
Divertiu-se com a possibilidade de sua saliva tocar a cabeça de alguém ou de
algum. Distraída com seus cuspes, a
pequena não percebeu o toque agudo da campainha. Mauro abriu a porta. Ante seu
corpo se formou a sombra de um homem alto. A irmã conteve-se na janela,
encurvada sobre seus cuspes. Mas eis que surge na sua frente um pouco de Alma
na voz daquele homem:
— Não vai me dar um beijo, menina? — o homem alto se dobrou ao tamanho da
menina. — Trouxe um presente pra você. Abra.
Alma se quedou estática, sem olhar pro homem ou pro presente. Sua mãe
arriscou algum movimento:
— Alma, minha filha, que modos.
O homem se desculpou à mãe enquanto tentava animar a filha chacoalhando o
presente. Mas a menina apenas conseguia se lembrar de quando o irmão havia lhe
garantido que o pai que nunca viram iria visitá-los no aniversário dela. Tapou
os ouvidos e cuspiu nos sapatos engraxados daquele homem. A mãe se indignou de
pronto com o cuspe da filha:
— Alma! — olhou pro homem alto — perdão. parece bicho do mato essa aqui
—voltou-se pra pequena com sua melhor bronca — Tá de castigo, já pro quarto.
Antes dá tchau direito pra este homem educado que ainda traz um presente pra
você.
— Eu te odeio — foi o que saiu
da boca da menina, um ódio sem direção, sem alvo, lento e denso como seus
cuspes.
*
Possível leitor, o ar está um pouco seco. Respiro a fumaça do caminhão,
logo à frente. Respiro esta tarde poluída. Carlos dirige, não sente nada. Que quando em quando me vem este perfume
suave e esta sensação doce. Então me
esforço, mas não consigo me lembrar da alegria. Um pouco pesado, sei, como o
monóxido de carbono. Carlos sorri, acredita que gosto dele. Eu penso em outros
e sorrimos os dois. Carlos e suas mãos grandes. Combinamos, cada qual com suas
mãos. E minha mão esquerda, a adúltera. Voltemos, mão esquerda, ao nosso
segredo. Fique leitor, não se sinta invasor, dividiremos pois segredos com
você. Aliás, ia me esquecendo. Você também é leitora e eu, um segredo unisex.
segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014
Telefone Sem Fio - Lançamento
Aos meus cinco leitores: os convido para o lançamento do meu romance Telefone Sem Fio, pela Editora Patuá. Será no significativo dia 23 de abril , no Hussardos Clube Literário, a partir das 19h30.
Capa: Leonardo Mathias.
Um trecho:
Uma pausa, silencioso leitor. Pois que eis um pouco de mim aqui neste
posto de gasolina. Desses onde nunca nos é suficiente seu combustível, a viagem
sempre é maior. O banheiro, meu refúgio
de Carlos. Contraio as pernas, minto que
estou apertada e pra lá me direciono. Não consigo erguer meus olhos, como se o
piso molhado deste posto fosse a única saída. O cheiro forte de gasolina quase
me derruba, somos auto-inflamáveis. Acho que estou desaprendendo a andar. Um pé
depois do outro, não é assim que nos ensinam, percorrer o solo pé ante pé?
Vamos lá, Alma, você consegue. A placa caída com um W apagado indica a porta do
meu esconderijo. Entro de cabeça baixa. Respiro o lugar imundo de vestígios dos
outros. Não há papel higiênico, apenas, no chão, seus pedaços. Também não há
espelho, posso imaginar meu reflexo na água suja sob meus pés. Quantas pessoas
já passaram por aqui, quantos reflexos guardam a água suja? Puxo a cordinha da
descarga sem qualquer necessidade, com o único intuito de fingir um alívio que
não sinto. Abandono meu pequeno jazigo, enquanto piso em uma sombra alongada. A
voz transborda o corpo. Dissimulo um olhar distante, afasto meus olhos do espaço
que ocupa. Em vão, a dona da sombra alongada se aproxima. “A chave do
banheiro”, ordena. Faço-me surda. “Colega”, quase cospe, “a chave”, balança o
corpo e a sombra, “preciso da chave”, grasna. “Não tem chave”, finalizo. “Você?
Tá bem?”, ela insiste em
mim. Apenas movimento a cabeça em um nãosimnãosimsim. “A
mulher tá chorando!”, “a mulher” sou eu, difícil e impaciente. Não quero me
lembrar de hoje, pode ser? Carlos percebe e nos socorre. “Alma?”, se esconde em
mim. “Tudo bem?”. Chão, Alma, olhe pro chão, ela pode virar pedra. “Sua mulher
tá chorando”, conclusão brilhante. “Sim”, ele enxuga a testa e continua
“estamos passando por um momento difícil. Seu irmão.” Carlos tem uma incrível
facilidade em desperdiçar seus momentos mais doídos com estranhos, na beira de
estradas. Aponta pra alguma direção que não se vê e apenas diz “Enterro”. Por fim, envolve-me sobre seu corpo, e nada
mais a ser dito. Vamos os dois pro carro, indevidamente abastecidos. A sombra se
alonga ainda mais pelo sol baixo e tragédia nossa. Encolho-me sobre o meu caderninho.
segunda-feira, 18 de novembro de 2013
A Linha Reta
Para Márcia Babieri
Nossas mãos exibiam a mesma forma, dedos pequenos e tortos a diminuir o tamanho do que agarrássemos. Aproximamos as duas da primeira vez que nos conhecemos. "Muito iguais", ele disse, ao que eu já retornava ao bolso o que me constrangia. Ele continuou com a sua suspensa, como que pendurada pelo braço comprido, e me censurou: "pra que esconder sua mão na calça? é igual a minha." Sim éramos iguais, custávamos a alcançar o que quer que se insinuasse às nossas vistas. Jamais largaríamos alguma força em um tapa. Nosso tapa seria sempre mal dado. Feríamos mais a nós mesmos do que a quem queríamos ferir. Éramos dois gigantes presos às nossas minúsculas garras, que eu insistia em esconder nos bolsos da calça. Continuamos a nos encontrar, mais por reconhecer no outro a própria impotência do que por alguma atração física que dali nascesse. Não nego que nos dávamos bem na cama, um sabia do que do outro se desejasse. Tínhamos desejos parecidos, na medida das nossas mãos em concha.
Escolhemos como ponto de encontro um parque abandonado perto de casa. Transávamos próximo à roda-gigante desativada, e de lá íamos para minha casa, onde eu esticava meu lençol em frente à televisão. Ele gostava de assistir a alguma porcaria na TV depois do "último ato", como ele chamava nossa trepada. Ria tanto quando ele dizia "o último ato", parecíamos dois atores tristes a se despedir da plateia mas nunca prontos a largar o palco. Nós mesmos nos aplaudíamos com os dedos tortos desencontrados e uma repetição de palmas desajeitadas.
"Seu destino é uma linha reta", ele me disse uma vez, após o "último ato", enquanto mudava de canal pela terceira vez. Linha reta? Olhei para ele sem entender. "Linha reta, aqui ó.", apontou para a palma da minha mão. Realmente, uma das linhas da minha mão era reta, perfeitamente traçada. Nunca havia reparado naquilo, um traço perfeito e reto prolongado nos dedos defeituosos. "É a linha da vida", anunciou. "Sua linha da vida é um traço reto." Fechei minha mão esquerda; bem verdade, fechei-me naquela mão esquerda. Não queria uma vida sem sinuosidades. Já me acostumara com a desarmonia dos meus dedos, minhas garras apararam o que me tornara: rascunho de mim mesma, e, agora, aquela linha reta no meio da minha mão, a me jogar a algum traço que não seja rasura. "Veja um ponto aqui em cima da linha reta.", arrisquei. "Isso é sujeira.", ele retrucou. Tive que me conformar, minha linha da vida era um traço reto. Ele escondeu as mãos sob o lençol, já não éramos iguais.
Dali para frente nossos encontros tornaram-se menos frequentes até que deixamos de nos ver. Tentei reatar o que não tínhamos explicitamente terminado, mas percebi a distância entre nós. Não me lembro do seu nome, apenas de suas mãos e da vida que ambos recusamos, mas que corta minha mão esquerda.
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