"Querida, você tem um coração na garganta"
Minha avó

domingo, 1 de abril de 2007

Pelo ralo

Que desperdício. Uma lágrima, tão salgadamente minha, escoa ralo abaixo enganada às gotas do chuveiro. Procuro intensamente por outra tão especial, mas o vapor do banho embaça minha visão do avesso.
Estremeço ao imaginar que algum pedaço de meus dias chorados irá saciar a sede de um rato de esgoto. Um frio de asco acomete meus pensamentos pela imagem daquele suposto rato enorme com as patas rosas e a cara de mau, passando a língua rapidamente a grandes goles em minha lágrima. Sinto nojo daquela lágrima - o pouco que resta de minha humanidade, diga-se - já na garganta seca daquele rato grande e peludo.
O filete de humanidade que lubrifica minha vista agora se transforma em ojeriza presa à cauda fina daquele bicho. Tento, com o nó na garganta e o arrepio no estômago, forçar outra lágrima no vinco dos olhos. É inútil. Solidifico-me de concreto e aço, enquanto vejo o ralo engolir restos ensaboados de minha sujeira junto com aquela lágrima.

3 comentários:

Andrea disse...

Prosa e poesia, choque de sensações contraditórias, rudeza e beleza.
Amei, Vera, parabéns ;-}

Anônimo disse...

VÉ, ISTO AQUI TÁ DEMAIS!! PARABÉNS, MINHA PRIMA LINDA, DOCE VERINHA, DONA DE UMA INTELIGÊNCIA ÍMPAR, DE UMA CRIATIVIDADE SEM FIM... Q. VÁ LONGE, ESPALHANDO ESSE ENCANTO POR ONDE ANDAR!

BEIJÃO E PARABÉNS!!

Vera Helena disse...

Cá, linda, obrigada! Beijos, Vé